TRC #10 - O luto que ainda não sei como viver
Encouraging creatives to follow their passion
HELLO, GORGEOUS
Essa é uma edição triste sobre um processo que eu não vivi e senti que escrever pudesse aliviar. A música de hoje é uma só, que quando eu ouço já vem com o cheiro do café coado, do sabonete de alecrim cedro e mandarina e dela dizendo “Oi Feee” lá no número 343 da rua Harmonia.
RENEGADE: o luto que eu ainda não sei como viver.
A Fabi foi minha perda mais doída. Aquela dor que não para de doer. Às vezes ela descansa, vira parte do cotidiano, deixa tocar a vida como se nada tivesse acontecido, mas quando volta, volta com a mesma intensidade da primeira vez. Como se de nada tivessem validos os choros que já passaram.
Por ter morado tantos anos fora eu me acostumei com o luto a distância. Não foram poucas as pessoas que eu perdi sem estar perto, e muitas vezes sem nem me lembrar da última memória que a gente tinha juntas. Mas eu aprendi até a apreciar a ausência dos velórios, dos rostos tristes, das conversas contando histórias que eu evitava, do corpo deitado sem vida e dos rituais fúnebres. Nunca gostei de nada disso e, por mais que eu entenda que velórios foram inventados para os vivos, nunca vi valor nesse processo. Sempre quis que minha última lembrança com quem se foi fosse aquela lembrança gostosa. E não a do velório.
E assim foi com a Fabi.
Todas as minhas lembranças com ela são alegres, porque até triste a Fabi divertia.
A última vez que eu vi a Fabi foi em uma das minhas visitas ao Brasil talvez uns dois anos depois de sair daqui. “Esse é meu primeiro rolê pós quimio fora de casa, amiga” ela me disse enquanto a gente tomava um café no Jardins. “Eu nunca estive tão inchada e sem cabelo, mas hoje eu nunca estive tão feliz”. Talvez essas nem tenham sido as palavras exatas dela. E é muito provável que as últimas palavras que lembramos de alguém sejam recontadas da forma como queremos lembrar, pra que possamos nos apegar a elas. Mas o contexto eu sei que era esse.
Depois desse café eu voltei pro Canada e nossa amizade continuou por áudios muito longos de WhatsApp. Geralmente começava com trabalho, dava umas risadas, lembrava de uma Nova Iorque fria que foram nossas memórias mais gostosas juntas.
Foi logo antes de eu vir para o Brasil em dezembro do ano passado que Fabi me mandou um áudio contando que o tumor tinha voltado e ela ia ter que fazer mais uma cirurgia. E no mesmo áudio que ela contou isso ela disse “mas a notícia boa é que vou ter mais material pra fazer imunoterapia”. Essa era a Fabi, enxergando a notícia boa em ter que abrir a cabeça - literalmente - pela segunda vez na vida.
No dia da cirurgia eu mandei mensagem pra ela, achando que ela não ia ler até que ela se recuperasse, no que ela respondeu “acabei ganhando 03 dias maravilhosos para curtir um pouco mais a vida. O David meu amigo/irmão me trouxe para um spa aqui perto de Itu pra relaxar.” Desejei que fosse tudo bem na cirurgia. “Hope to see you soon on the dance floor, minha amiga”, foi a resposta dela.
A cirurgia passou, eu entrei no avião, chegando em São Paulo Fabi foi minha primeira mensagem pra gente conseguir se encontrar.
No dia que era pra eu fazer minha visita recebi uma mensagem de que ela tinha confundido os compromissos e não ia conseguir me receber. Dias depois, tentando remarcar, recebo uma mensagem da irmã dela de que Fabi não estava bem e seria melhor esperar. Nessa espera eu acabei tendo que sair de São Paulo, o momento nunca chegou, e de tanto esperar eu às vezes ainda tenho a sensação de que continuo esperando.
Esperando o dia que a Fabi vai mandar áudio dizendo “amiga vamos tomar aquele café”.
Esperando ter a certeza de que realmente foi melhor preservar a memória das coisas gostosas do que se eu tivesse substituído elas pela memória fúnebre, mesmo sabendo que sem a despedida talvez eu nunca pare de esperar.
Esperando que as conversas de velório que eu sempre evitei parem de fazer falta porque eu nunca tive a chance de conversar sobre a ida dela com ninguém.
Esperando que um dia qualquer parte da história da ida da Fabi faça algum sentido.
Esperando que a dor diminua cada vez que eu me lembro que ela já foi.
Como se supera um luto que não se explica?
Sigo com os olhos estúpidos, a garganta presa e a consciência boquiaberta. Esperando que um dia isso também passe.
Lindo o texto, ainda que triste. Consigo sentir seu peso e dor daqui, então um abraço apertado em você, amiga! A Fabi realmente era uma pessoa incrível!!