Quando a marca acerta em tudo, menos no briefing do time de loja.
E PERDE MUITO MAIS EM VENDAS E AQUISIÇÃO DE CLIENTES DO QUE DEVERIA.
Joanna é Canadense, e cerca de 10 anos atrás ela enxergou uma oportunidade no mercado de lingerie, fabricando calcinhas absorventes que vestem vários tipos de corpos e entrando no diálogo sobre body positivity.
A marca começou como nativa no digital e apesar de ter conquistado grandes clientes como Nordstrom e Equinox, Joanna decidiu vender somente DTC para que "pudesse oferecer um serviço mais personalizado para suas clientes".
Hoje, em 2024, ela tem lojas lindas com uma identidade visual bem amarrada no conceito da marca nas principais cidades do Canada e está começando a expandir para os Estados Unidos.
Quando fala sobre a marca, no próprio site e em entrevistas, Joanna diz que ela "continua focando em ouvir o que as pessoas querem e a trazer soluções revolucionárias para a vida" e sempre faz menção sobre a importância da conexão com a cliente e a personalização de produto e serviço.
Esse é o tipo de historia de marca que me emociona: produtos únicos no mercado feitos com altíssima qualidade; posicionamento de marca claro que atrai um público alinhado e em sua maioria fiel que torcem pela marca; lojas físicas lindas e com boa experiência de prova; crescimento sustentável e com autonomia, sem ficar refém de grandes compras de algumas multimarcas para fechar as contas; e um futuro brilhante pela frente se ela souber se manter relevante no mercado.
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Quando voltei aqui para o Canada, grávida de uma quantidade bem desconfortável de meses, uma amiga recomendou que eu fosse em uma das lojas da marca da Joanna pra provar o sutiã de amamentação e os pijamas.
Como eu adoro uma experiência de compra, fiz questão de conhecer a loja deles que fica na rua mais movimentada de Vancouver, em um dos metros quadrados mais caros para varejistas no Canadá.
A loja é, de fato, linda e tem uma ótima experiência de prova. Pra quem não sabe, aqui eles trabalham com duas medidas de sutiã: a do peito e circunferência das costas. Como eu não tinha nem ideia das minhas medidas, elas me mediram certinho dentro de um provador que era uma graça e trouxeram os tamanhos que eu precisava. Escolhi um tamanho na cor preta de um sutiã que não custava menos do que 50 dólares, e pedi pra separarem pra mim.
3 minutos depois a vendedora volta e, sempre muito simpática, diz que não tinha o preto no tamanho que eu precisava mas que eu “poderia procurar no site pra ver se tinha porque a entrega era rapidinha".
Naquele fim de semana a loja estava em promoção com 20% de desconto, então eu perguntei se o site também estava, no que ela respondeu “não sei dizer, mas você pode usar meu código para ganhar frete gratis".
Bom, então eu resolvi perguntar sobre os pijamas. Os que estavam expostos eram todos muito coloridos e perguntei se eles tinham alguns com cores mais sóbrias e sem estampas, e ela disse “acho que tem, mas eles estão guardados no estoque, é mais fácil ver pelo site se você gosta de algum".
Como consumidora eu não fiquei nada chateada em sair da loja sem ter gastado dinheiro. Nao era nenhum produto que eu queria muito muito então deixei pra lá. Mas meu coração de varejista ficou muito triste pela Joanna que mesmo tendo criado uma marca nativa no digital e que preza pela personalização do serviço, jogou fora muitos dólares em vendas e custo de aquisição de cliente.
Sim, aquisição de cliente. Eu explico:
Todo o dinheiro investido no aluguel de um loja é para que ela consiga colocar a marca literalmente no caminho de um público qualificado. Aí ela investe mais um tanto para montar uma loja impecável e ser notada por esse público. Ou seja, além de ser um ponto de venda, essa loja passa a ser um outdoor da marca - uma mídia.
Mas todo esse público que ela paga para ter acesso e consegue atrair pra sua loja recebe esse nível de experiência de cliente - simpática mas sem nenhum comprometimento com conversão e uso das ferramentas de omnichannel - e ela perde a oportunidade de vender para, ou captar o lead, de todas essas pessoas novas que entraram pra conhecer a marca.
A história da Joanna é real, e infelizmente é regra e não excessão. Assim como a marca dela, tantas outras acabam pecando pelos mesmos erros sistêmicos do varejo:
Falta de treinamento de time de loja sobre vendas, experiência de cliente e uso do omnichannel
Marcas que associam 'inovação' e 'experiência de cliente' somente a arquitetura de varejo e tecnologia, sem prestar atenção na qualidade das conversas que acontecem em loja e como elas servem a performance.
Omni que só existe no plano teórico e tecnológico, mas que morre assim que chega no lugar onde a marca tem a maior e mais significativa interface com o cliente: a loja física
Por isso eu sigo encorajando as marcas a considerarem as interações humanas como ponto de partida de experiência de cliente e de performance, e garantir que isso está sendo bem feito, antes de fazer o roll out de seus projetos tecnológicos acreditando que eles vão sozinhos aumentar as vendas e o nps de marca.