A autoestima se constrói no processo
Li esses tempos essa frase e tenho repetido ela na minha cabeça todos os dias. É um alívio saber que não precisa esperar a linha de chegada se aproximar para melhorar a estima que temos de nós mesmas, mas que todo dia da para construir um pouquinho mais dela. E é nos dias que parece que o processo não vai dar em nada que ele precisa ser mantido. No fim das contas, nada destrói tanto minha auto estima do que furar os compromissos comigo mesma e engavetar mais um projeto ou objetivo e me recontando aquela velha história de ‘ter falhado mais uma vez’. Então seguimos criando e mantendo cada um desses processos vivos, mesmo nos dias que só o que a gente consegue entregar é dois tomatinhos no almoço, 10 minutos de caminhada, meia página de uma leitura, o rascunho da primeira frase de um e-mail, ou seja lá o processo que você tem por aí. Sempre pensando na minha amiga
que diz que ‘um pouquinho todos os dias é melhor do que nada sempre’.Um pão pra chamar de meu
Apesar da maternidade ser uma fase extremamente produtiva, em especial quando não se tem rede de apoio nem paga nem familiar, eu não consigo afastar o sentimento de estar intelectualmente improdutiva. Gostaria de poder tirar tudo isso da cabeça e aproveitar a licença pra mergulhar nesse momento único da minha vida que é curtir Caetano crescendo e não me preocupar mais com nada. Mas por mais que eu tente, eu não consigo me sentir completa sem a sensação de estar caminhando *profissionalmente* em alguma direção, ainda que em passos de formiga, e consigo admitir que muito disso vem da impressão de ver todo mundo correndo enquanto eu estou paradinha no lugar e sem saber pra onde ir depois daqui - ainda que eu tenha a consciência de que a imagem dos outros correndo vem muito manipulado por redes sociais e também do fato que 6 meses (agora só mais 2) é uma fatia muito pequena do tempo total que tenho pra desenvolver minha carreira.
De qualquer forma, tenho sentido minha ‘auto estima intelectual’ um tanto abalada. Fui de me sentir completa sendo Head de Varejo de uma marca incrível e me desafiando todos os dias, para me sentir completamente obsoleta em 3 meses sem trabalhar - e esse ônus da obsolescência é todo meu. De repente eu questiono o que eu tenho pra contribuir com o meio profissional, seja ele de varejo ou fotografia, fazendo pouco caso dos anos de estudo e experiência que tenho nas costas e perdendo de vista a minha relevância.
E foi numa sessão de terapia que eu entendi que preciso encontrar meu pão.
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Eu acredito que amor é um conjunto de verbos que impulsionam a decisão de ficar juntos e trabalhar na relação (já falei sobre isso aqui), e um desses verbos é admiração - talvez um dos mais imprescindíveis para que o amor exista e se mantenha. E de todas as admirações que eu tenho pelo meu marido, a maior delas é pela dedicação que ele emprega em tudo o que ele se dispõe a fazer.
E uma dessas coisas é o pão.
Ele cultivou a própria bactéria de fermentar o pão do zero, alimenta com toda disciplina e paciência do mundo, organiza a agenda dele em torno do dia que precisa amassar e preparar o pão pra assar, assa o pão na data certa e depois sentamos pra comer e fazer o debrief juntos: ele assou bem por dentro? Como está a crocância da casquinha comparando com o último pão? Conseguiu fazer a orelha do pão dessa vez? E os buracos de dentro do pão, estão uniformes ou tem só alguns grandes demais? Será que isso corrige mudando a farinha ou o tempo de fermentação? Vale tentar outra técnica de dobrar o pão?
E lá vai ele assistir trinta e dois vídeos do YouTube pra entender aonde ajustar a técnica pra chegar no pão que ele quer fazer.
E sabe o que acontece quando ele chega nesse pão? A gente come, ele segue pra fazer o próximo pão perfeito e procura outra coisa para aperfeiçoar.
Nesses anos que estamos juntos já foram horas de vídeos de YouTube, muitos dólares de gadgets de cozinha e quilos de receitas novas que ele quis aperfeiçoar: a massa de pizza com a consistência e o queimadinho perfeitos, o molho pesto que fica todo verdinho na consistência cremosa que nem o do Nino Cucina (o dele hoje em dia é até melhor), o molho de tomate igual ao da tia dele, o café com a moagem e pressão perfeitos pra cada grão diferente que ele compra e a textura do leite ideal, e a lista, pra minha sorte, é longa. Muito, mas muito longa.
E, com todas essas receitas que ele faz, quando chega na perfeição a gente senta juntos, come, as vezes chama amigos pra provar, limpa os pratos e dali uns dias ele volta a fazer tudo de novo.
O Léo não faz nada disso pensando em monetizar ou em qualquer fim específico além de comer. Ele faz mesmo porque assume o desafio pessoal de fazer o melhor que pode daquele prato. E quando ele não tá 100% satisfeito, não tem elogio meu que convença ele de que está bom o suficiente, porque ele precisa continuar até ele descobrir como deixar perfeito, porque ele merece e quer comer o prato perfeito.
Pra mim, não existe uma expressão mais pura de auto estima do que essa: procurar sempre o melhor das coisas para o próprio prazer.
E foi refletindo sobre isso em uma sessão de terapia que eu entendi que minha auto estima ainda precisa de um certo trabalho.
Eu me contento com o mais ou menos quando é algo só pra mim e que não interfere na vida dos outros. Procuro a versão mais simples, mais barata e que dá menos trabalho. E se eu não encontrar “então não precisa”. Desisto das coisas com uma facilidade incrível - seja projetos ou coisas que quero aprender. A última que eu me lembro foi reformar a parede da cozinha com azulejos adesivos. Fiquei muito animada no começo e quando vi que a qualidade do primeiro que eu comprei era ruim e que daria muito trabalho, desisti. E a história da minha vida tá cheia de azulejos adesivos.
Sempre fui a pessoa que quando perguntam “o que você prefere” responde ‘tanto faz, pode escolher’ porque Deus me livre escolher o que eu realmente quero e não ser a mesma coisa que o outro quer. Eu automaticamente me coloco em segundo lugar porque “tenho pavor de dar trabalho”. E eu nunca vou saber quantas coisas boas eu deixei de aproveitar por ter medo de incomodar.
E refletindo sobre como melhorar essa auto estima, entendi que preciso encontrar meu pão.
Buscar algo que eu faça para meu próprio prazer sem que tenha um fim específico ou um ganho além de aproveitar a jornada e aperfeiçoar a arte. Eu nem preciso ser boa, só preciso me interessar e não abandonar o processo.
Quando eu era criança eu tive várias dessas coisas, é tão mais fácil aproveitar a vida quando a gente não precisa de aprovação nem de objetivos com as coisas que a gente faz. Dancei ballet e sapateado por anos, pintava aquarela, costurava coisas feias com a máquina da minha mãe e adorava, assistia programa de arts and crafts na tv cultura e tentava replicar tudo depois. Mas hoje? Sem perceber eu perdi de vista as coisas que me interessam, não sei quais são nem por onde andam.
E num pedido de socorro pro meu terapeuta ele sugeriu que eu procurasse algo que me desse medo, porque na superação dos meus medos eu também construo essa auto estima.
Refletindo sobre o que eu gostava muito de fazer quando eu era criança, que é quando a gente conversa com o lado mais puro da nossa essência, eu lembrei que eu escrevia poesias e cartas a torto e a direito. Um pouco mais tarde, antes de blogs serem populares, eu criei um que acho que ninguém lia mas eu adorava escrever por escrever. Aliás, eu queria mesmo era ter estudado jornalismo, mas caí em relações públicas por um acidente de percurso e ali fiquei. Mas foi em algum trajeto nas ruas do perfeccionismo e da comparação que eu provavelmente olhei pra escrita e, entendendo que dela eu ‘não tiraria nada’, além do medo da exposição e críticas, eu parei.
Então enquanto embalo meu filho em uma soneca que agora já dura duas horas (dias de glória, eles chegam) eu rascunhei esses pensamentos como um compromisso pessoal de que a escrita agora é meu pão: sem objetivos e atrelado a ele e com a dose adequada de medo (o da exposição). E também sem a necessidade de fazer o pão com a casquinha perfeita e os buraquinhos uniformes. Por enquanto a ideia eh só colocar pra assar. Mesmo que no começo saia meio indigesto, afinal errar também faz parte do processo.
Não esperem nada de mim. Nem eu mesma espero enquanto escrevo tudo isso. Se muito, alguns pensamentos soltos cheios de começos e meios mas sem nenhum fim.
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Mas, apesar de eu ter escrito esse mais como uma forma de organizar os pensamentos, quero aproveitar o ensejo e pedir exemplos de outros pães pra explorar - se você tiver um, conta aqui pra mim? Quem sabe me inspira a além de pão aprender a fazer pizza também (figurativamente falando - odeio cozinhar).